A detecção de mentiras é um tema de grande relevância para operadores do direito, psicólogos forenses e criminologistas. Recentemente, um estudo publicado na revista Brain Sciences intitulado “Verbal Lie Detection: Its Past, Present and Future” fornece uma visão abrangente sobre a pesquisa nessa área, desde seus primórdios até as técnicas mais recentes e promissoras. Vamos explorar os pontos-chave desse estudo e entender como a detecção verbal de mentiras tem evoluído, tornando-se uma ferramenta crucial na investigação criminal e na administração da justiça.
A História da Detecção Verbal de Mentiras
A pesquisa sobre a detecção de mentiras iniciou-se na década de 1970, focando inicialmente na relação entre a mentira e palavras específicas. Termos como “eu”, “nós”, emoções negativas como “ódio” e “tristeza”, termos generalizantes como “sempre” e “nunca”, e a diversidade lexical foram alguns dos primeiros indicadores examinados. Essas pesquisas pioneiras revelaram que certos padrões verbais podem indicar a presença de mentiras.
Ferramentas de Análise de Conteúdo: CBCA e RM
Na década de 1980, surgiram ferramentas mais sofisticadas como a Criteria-Based Content Analysis (CBCA) e a Reality Monitoring (RM). A CBCA é uma metodologia que analisa a presença de 19 critérios verbais em depoimentos, proporcionando uma avaliação mais estruturada e padronizada da veracidade. Esses critérios variam desde a quantidade de detalhes fornecidos até a ordem não cronológica dos eventos narrados.
A RM, por outro lado, baseia-se na teoria de que memórias de experiências reais contêm mais detalhes sensoriais e contextuais do que memórias de eventos imaginados. Isso inclui detalhes sobre visão, som, localização e tempo, oferecendo um método adicional para distinguir a verdade da mentira.
SCAN: Análise Científica de Conteúdo
Outra ferramenta desenvolvida é a Scientific Content Analysis (SCAN), que utiliza uma variedade de critérios para avaliar a veracidade de declarações. Diferentemente da CBCA e da RM, a SCAN não possui um conjunto padrão de critérios, o que pode levar a uma variabilidade nos resultados. No entanto, continua sendo uma técnica utilizada por alguns profissionais.
Limitações do SCAN
Apesar de ser uma ferramenta interessante, o SCAN apresenta várias limitações importantes:
- Falta de Racional Teórico: O SCAN carece de uma base teórica sólida que justifique por que seus critérios devem diferenciar verdades de mentiras, ao contrário de outras técnicas como a CBCA e a RM que possuem fundamentos teóricos claros.
- Variabilidade na Aplicação dos Critérios: Não existe uma lista definitiva dos critérios observados, resultando em uma aplicação inconsistente e resultados variáveis.
- Escassez de Evidências Empíricas: A evidência empírica que suporta a eficácia do SCAN é limitada. Estudos experimentais não demonstraram sua eficácia de forma consistente.
- Problemas com a Coleta de Declarações Escritas: A prática de obter declarações escritas detalhadas, sem a presença de um entrevistador, é incomum em contextos práticos, limitando a aplicabilidade do SCAN.
- Viés Contextual: A interpretação dos critérios verbais pode ser influenciada pelo contexto da declaração, comprometendo a objetividade da análise.
Entrevistas Estratégicas: Melhorando a Detecção de Mentiras
Nos anos 2000, a abordagem de “entrevistas para detectar mentiras” ganhou destaque, desenvolvendo protocolos específicos de entrevista para aumentar ou eliciar pistas verbais de veracidade. Entre os protocolos mais pesquisados estão o Strategic Use of Evidence (SUE), o Verifiability Approach (VA), a Cognitive Credibility Assessment (CCA) e a Reality Interviewing (RI). Esses métodos são projetados para explorar as respostas dos entrevistados de maneira que suas mentiras se tornem mais evidentes através de contradições e detalhes inconsistentes.
O Futuro da Detecção Verbal de Mentiras
O estudo conclui que a detecção verbal de mentiras é uma área promissora, especialmente com o apoio de avanços em neurociência. A combinação de técnicas verbais com análises de atividades cerebrais, como a fMRI, pode fornecer um entendimento mais profundo e ferramentas mais precisas para a detecção de mentiras. Apesar de se tratar de um tema que é muito falado nas redes sociais, pouco se é discutido de forma técnica e científica devido a ausência de profissionais no mercado. No Brasil, o perito Anderson Carvalho é uma autoridade reconhecida na análise de credibilidade, tendo desempenhado um papel crucial na aplicação prática dessas técnicas em inúmeros casos, ajudando a elucidar verdades e mentiras em contextos judiciais. Sua expertise e experiência reforçam a importância e a aplicabilidade das ferramentas de detecção verbal de mentiras no sistema de justiça brasileiro.
A Importância da Detecção Verbal de Mentiras no Processo Judicial
No contexto jurídico, especialmente no que diz respeito às provas testemunhais, a detecção verbal de mentiras é indispensável. Testemunhos são frequentemente uma parte crucial do processo judicial e a capacidade de avaliar a veracidade desses depoimentos pode fazer a diferença entre a justiça e a injustiça. As técnicas de detecção verbal de mentiras fornecem aos operadores do direito ferramentas sofisticadas para avaliar a credibilidade das testemunhas, contribuindo para a tomada de decisões mais informadas e justas.
Conclusão
A detecção verbal de mentiras é uma ferramenta essencial na psicologia forense e nas investigações criminais. Com o contínuo desenvolvimento de técnicas e a integração de novas tecnologias, estamos cada vez mais próximos de desvendar as nuances da veracidade humana. Para operadores do direito e profissionais da área, manter-se atualizado com essas pesquisas pode fornecer insights valiosos e práticos, contribuindo significativamente para a administração da justiça.
Referência
VRIJ, Aldert; GRANHAG, Pär Anders; ASHKENAZI, Tzachi; GANIS, Giorgio; LEAL, Sharon; FISHER, Ronald P. Verbal lie detection: Its past, present and future. Brain Sciences, [S.l.], v. 12, n. 12, p. 1644, 2022. Disponível em: https://doi.org/10.3390/brainsci12121644. Acesso em: 20 jun. 2024.